Conscientizar e alertar a sociedade sobre os prejuízos causados pela dependência em instrumentos eletrônicos. Este foi o foco do seminário “Vício em tecnologia: o que você tem a ver com isso?”, promovido na noite desta terça-feira (19) pela Escola do Legislativo Deputado Lício Mauro da Silveira, em parceria com o Movimento Slowphone.
O evento, que aconteceu por viodeconferência, contou com a participação de especialistas das áreas da saúde e da educação que atuam no atendimento a crianças e adolescentes afetadas pelo excesso de telas, e de estudantes de Ensino Médio do município de Xaxim, que criaram o Projeto Turn off para conscientizar a população sobre o uso excessivo de tecnologias.
Na abertura, a coordenadora da Escola do Legislativo, Marlene Fengler, destacou a discussão do tema como “necessária e urgente”, sobretudo após o período da pandemia de Covid-19, quando a interação social foi desestimulada e o uso dos meios eletrônicos ganhou ainda mais espaço, ocasionando prejuízos especialmente aos mais jovens. Em 2019, na condição de deputada estadual, ela foi autora da Lei 17.785/2019, que institui a Semana Catarinense de Conscientização e Combate à Dependência Tecnológica.
“Penso que esse seminário nos dá grande oportunidade de conversar e mostrar para a sociedade alguns caminhos possíveis para minimizar os prejuízos do uso excessivo da tecnologia. Não é nada contra a tecnologia, mas pelo seu uso responsável.”
O psicólogo Cristiano Nabuco afirmou que a dependência tecnológica já é objeto de discussão acadêmica há 20 anos, mas que recentemente o problema se agravou, sobretudo no Brasil, que figura entre os três países onde as pessoas mais gastam tempo na frente de telas, como smartphones, TVs e tablets. Segundo disse, o brasileiro passa 4,7 meses do ano interagindo com uma tela, ou 58% do seu tempo enquanto está acordado.
Ele afirmou que, apesar do assunto já ser bastante divulgado, muitos pais ainda não se deram conta dos prejuízos que podem acarretar às suas crianças ao deixá-las usar livremente os equipamentos tecnológicos.
“As famílias ainda não se deram conta de que entregar um celular para um criança com idade inferior a dois anos possivelmente pode trazer um atraso no desenvolvimento da linguagem e em algumas funções do pré-frontal, funções executivas.”
Para ele, a promessa de que a tecnologia iria promover a libertação do conhecimento não se concretizou, citando a inteligência artificial como o mais recente perigo ao desenvolvimento dos jovens.
Nabuco disse ainda ser essencial que o tema ganhe destaque na sociedade. “Todos temos diretamente alguma coisa a ver com isso. Se a tecnologia ainda não lhe afetou, ela ainda irá lhe afetar. Então é muito bom que a sociedade como um todo comece a trazer substrato para que as gerações possam efetivamente saber manejar todas essas ondas de tecnologia que nos afetam cotidianamente.”
Opinião semelhante foi apresentada pela conselheira do Instituto Tecnologia e Dignidade Humana, Catarina Marques, que afirmou que todas as ações de conscientização devem focar não em demonizar a tecnologia, mas na promoção do seu uso saudável. Esta situação, entretanto, ainda estaria longe da média dos jovens brasileiros, conforme disse.
Para ilustrar sua fala, ela apresentou uma pesquisa realizada em 2023 pela Tic Kids On Line Brasil, com o segmento populacional entre 9 a 17 anos. O levantamento, disse, mostrou que 95% dos adolescentes brasileiros atualmente têm acesso à internet e a grande parte deles possui perfil em rede social. A pesquisa também revelou que cada vez mais crianças estão ganhando acesso à internet, passando de 11% em 2015 para 24% em 2023.
Além dos prejuízos físicos, emocionais e de aprendizagem já conhecidos pelo uso excessivo dos celulares, um dado que causou preocupação na conselheira refere ao índice de 17% de usuários da internet, entre os 11 e 17 anos, que afirmaram já terem se sentido incomodados com conteúdo de cunho sexual, principalmente as meninas.
Diante disso, ela repassou três dicas básicas aos pais: serem exemplos para os seus filhos, instruí-los da melhor forma, e mediar o uso dos meios eletrônicos. Um conselho é equilibrar o período online com atividades esportivas, brincadeiras, e exercícios ao ar livre, em contato com a natureza.
Com relação aos limites aconselhados para o uso do celular para crianças, até 2 anos de idade deve ser proibido; de 2 a 5 anos, o máximo de uma hora por dia; de 6 a 10 anos entre 2 a 3 horas por dia. Adolescentes devem respeitar de 8 a 9 horas de sono diário e praticar atividades físicas.
“Os pais têm sim um papel fundamental no controle e no uso adequado da internet pelos filhos. E não tem essa questão da privacidade. Você tem que assegurar que o seu filho faça um bom uso da internet.”
Ênfase no diálogo e na prevenção
Diante das dificuldades em afastar os jovens das telas, uma afirmação presente em grande parte das manifestações apresentadas durante o seminário, foi a ênfase na conscientização, seja no ambiente escolar, ou no familiar.
“A informação, a discussão, é o que nos dá a possibilidade, como pais e educadores, de disseminar uma informação importante e verdadeira. Quando a gente explica sobre o uso consciente da tecnologia, traz isso à tona, conseguimos uma resposta muito mais positiva deles”, disse a psicopedagoga Márcia Fiates.
Para a psicóloga Roseane Bernardtt, outro passo importante é ouvir o que os jovens têm a dizer sobre a questão.
“O que percebo é que nossas crianças e adolescentes estão precisando de informação, e, mais que isso, precisam ser ouvidos, porque já estão vivenciando essa realidade e estão pedindo ajuda. Mas isso ainda é um trabalho bem complicado, porque as escolas, que são grande canal para chegarmos aos jovens, não estão abertas para trabalhar esse tema.”
Já a estudante do Ensino Médio, Maisa Zoz Ludwig, que atuou como vereadora Mirim de Tunápolis, defendeu as medidas de prevenção. Durante o Encontro Estadual de Vereadores Mirins, realizado em 2023, ela e outros estudantes entregaram ao presidente da Assembleia Legislativa, deputado Mauro de Nadal (MDB), um documento no qual foram abordadas formas de combater o uso excessivo de tecnologia pelos jovens.
“Frisamos muito na questão prevenção, porque a cada dia que passa a questão vem se agravando, por isso é importante prevenir. E acreditamos que isso deve partir dos jovens. E o local de mais acesso aos jovens acaba sendo a escola, por meio de atividades como palestras, mediações, oficinas e conversas sinceras e simples, para que os jovens possam entender até que ponto pode ser saudável o uso que está fazendo da internet.”