O 7º Encontro da Mulher Parlamentar, iniciado na tarde desta quarta-feira (13), no auditório Antonieta de Barros da Assembleia Legislativa, discutiu questões relacionadas à equidade de gênero a fim de reunir e agregar conhecimentos e experiências. Organizado pela Escola do Legislativo Deputado Lício Mauro da Silveira, em parceria com a União dos Vereadores de Santa Catarina (Uvesc), o evento tem como intenção estimular o debate sobre a representatividade feminina nos parlamentos.
Santa Catarina tem 295 municípios e apenas 20 prefeitas. Nas câmaras municipais do estado há 384 vereadoras, 13% do total. A Assembleia Legislativa conta com uma participação de quatro deputadas, ou seja, 10% do total. O objetivo deste evento, além de levantar questões fundamentais para a autonomia e empoderamento das mulheres, é aumentar esses percentuais. Para isso, a programação inclui palestras e debates que ajudam a pensar a atividade política.
Para o presidente da Escola do Legislativo, deputado Romildo Titon (PMDB), este evento contribui para a formação e informação das mulheres parlamentares e das que pretendem ocupar um cargo político, por isso sua importância. Apesar do número ainda pequeno de mulheres ocupando cargos políticos, Titon afirma que “aqui na Assembleia as mulheres ocupam 10% dos cargos parlamentares, mas quando querem fazem um barulho que ultrapassa o de 50 homens. Sua participação é efetiva e assim deve continuar e aumentar.”
A deputada Ana Paula Lima (PT), coordenadora da Bancada Feminina da Casa, lembrou que “o que a vida quer da gente é coragem, e isso não falta às mulheres”. Segundo a parlamentar, as mulheres querem atuar com respeito e por isso a representatividade feminina precisa crescer em todos os espaços. “Não podemos mais ser desqualificadas no debate de ideias, nem de forma desrespeitosa nos ataques de ordem moral.”
Reforma Política
Elizete Lanzoni Alves, professora da Academia de Direito Judicial e coordenadora de projetos da Secretaria de Gestão Socio-ambiental do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, falou sobre reforma política. "Nós tivemos algumas alterações no sistema eleitoral que não podemos chamar de reforma política. Para isso, ela tem que ser substancial. Um dos pontos principais foi a questão da participação feminina por intermédio de percentual obrigatório, mas nós temos que ir muito além. A participação feminina tem que ser ideológica e não por obrigatoriedade legal", pontuou.
Segundo Elizete, a sociedade tem mudado e se informado mais, o que é reflexo do Estado Democrático de Direito e da transição da democracia meramente representativa para a democracia participativa. "O Brasil não tem reforma política desde a Constituição de 1988. Isso, porém, não quer dizer que as regras sejam as mesmas desde então. Leis já modificaram as regras das eleições desde então."
Ela ressaltou, ainda, que as resoluções do Tribunal Superior Eleitoral também regulam a forma como as eleições devem funcionar e podem ser modificadas a cada eleição, e citou algumas leis que foram alteradas. Segundo a professora, o Brasil possui uma legislação que ainda carece de perfeição e todas as alterações das leis eleitorais sempre tiveram a finalidade de alcançar o aperfeiçoamento. "A história da legislação eleitoral brasileira é anterior à República. O Brasil Colônia já contemplava normas eleitorais, como a Ordenação do Reino (livro máximo do Reino de Portugal) já contemplava um Código Eleitoral."
Elizete destacou que reforma política não se reduz às alterações legislativas, mudança do voto, dos partidos ou da representação. "Ela está intrinsecamente direcionada à reforma das instituições políticas e do Estado e da forma de exercício de poder com mecanismos de controle público e social das ações estatais. Educação eleitoral acarreta a verdadeira mudança de mentalidade, de quem pode votar por alterações significativas no âmbito político e não somente jurídico."
A relação direta da mulher com a verdadeira reforma política é, para a pesquisadora, a da participação e votação com conhecimento de causa. "As mudanças promovidas nesse campo estão articuladas às dimensões sociais, culturais, educacionais, legislativas e institucionais que, aos poucos, revertem o quadro de uma sub-representação limitada ao cumprimento legal relativo às cotas de candidaturas para as mulheres (art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97)."
Por fim, Elizete declarou que, "uma reforma política estrutural e não somente uma reforma eleitoral (formal legal), passa obrigatoriamente pela atuação da mulher, na família, em relação à educação para a cidadania; na universidade, pela ampliação das pesquisas na área do empoderamento feminino, na atuação profissional pela demonstração de igualdade, na aplicabilidade de capacidades e habilidades e na política para o enfrentamento do desafio da participação. Não pela obrigatoriedade de cotas, mas pela consciência de que a mulher pode fazer mais e melhor pela cidadania e pelo país."
Diversidade de gênero no mundo do trabalho
Clair Castilhos, presidente da Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, e fundadora da Casa da Mulher no estado, fez um resgate histórico da trajetória e de todas as conquistas das mulheres, além de abordar desafios e dificuldades. “É importante saber de onde viemos para continuarmos nossa caminhada.”
Segundo Clair, o pensamento patriarcal alimenta-se dos preconceitos, realiza-se na opressão cultural e concretiza-se no silêncio, na submissão e na dominação das mulheres.
Antropologicamente, as mulheres eram as cabeças de suas tribos, organizavam seus espaços com autonomia enquanto os homens saiam para caçar. Com o advento do capitalismo, o homem ganhou o mundo do trabalho e a mulher tinha que ficar em casa para cuidar dos afazeres domésticos.
Clair Castilhos destaca que a entrada da mulher no mercado de trabalho tem respostas diferentes para cada década. “Hoje as mulheres vão ao mercado de trabalho porque querem construir sua própria história. Antes, se quisessem trabalhar eram consideradas feministas, hoje se não trabalham são discriminadas”.
As transformações sociais, culturais e demográficas do século XX trouxeram mudanças fundamentais, mas em determinadas regiões, como o meio rural, o machismo ainda impera, conforme Clair. “Tão negativo quanto o machismo é o preconceito seja de que forma for. Mulheres negras ainda são discriminadas pelas próprias mulheres.”
Mestre em saúde pública, Clair declarou que o século XXI começou a ser desenhado em Pequim, com a 4ª. Conferencia Mundial da Mulher, em 1995, quando foi membro da delegação brasileira. “Lá iniciou a revolução que estamos presenciando agora. O rompimento do status quo e os direitos assegurados independente da escolha sexual são conquistas que precisamos manter. Mas, a história ainda prega armadilhas. Mudou o lugar social da mulher, mudou sua experiência de mundo e as mulheres ficam assim divididas entre passado e futuro. Entre memória e projeto. Por isso, o movimento mundial de mulheres tem que continuar. É preciso sair da invisibilidade e falar com voz própria.”
Ação Parlamentar: Lei Maria da Penha e Lei do Feminicídio
A desembargadora do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ/SC), Salete Sommariva, abordou os primeiros passos que estão sendo dados em relação à defesa da mulher. Ela informou que Tijucas, município da Grande Florianópolis, ocupa o 76º. lugar nos casos de violência domestica no Brasil, e como esta situação é grave. “Os homens estão matando sem nenhum problema de consciência. O homem machista trata a mulher como propriedade. A questão da violência domestica não está presente só nas classes menos favorecidas. Está em todos os lugares.”
Coordenadora da Coordenadoria de Execução Penal e Violência Doméstica do TJ/SC, Salete apontou que a questão da violência está, na maioria dos casos, associada ao uso do álcool e do quanto ainda precisa ser feito para mudar essa realidade.
“A Lei Maria da Penha foi um avanço em meio a tanto retrocesso. É um símbolo de luta não só das mulheres, como também dos filhos”. Segundo a desembargadora, o processo penal que levou o marido de Maria da Penha à prisão por tentativa de matá-la, foi extremamente lento e só resolvido quando a lei foi sancionada, depois de 19 anos da tentativa.
O atendimento nas delegacias e coordenadorias de proteção às mulheres também precisa ser melhorado, na avaliação da desembargadora. “Houve um salto na coordenadoria, mas o atendimento ainda precisa ser humanizado. Além da enorme dificuldade de abrir queixa crime, as mulheres contam com o constrangimento de serem tratadas como se tivessem provocado o agressor.
Salete Sommariva afirmou que a falta de agilidade nos processos de violência contra a mulher não é apenas um problema de inércia, mas de preconceito e destacou que a violência moral e psicológica pode ser pior do que a física e precisa, tanto ou mais do que a física ser combatida. A desembargadora lembrou, ainda, da Lei do Feminicídio, ou seja, a que considera crime hediondo o assassinato de mulheres decorrente de violência doméstica, sancionada no ano passado pela presidenta Dilma Rousseff.
Ela finalizou sua fala propondo que as parlamentares criem grupos de estudos, comissões, nos bairros das cidades catarinenses para conhecer a realidade de cada local, apontar meios de prevenção e defesa, investigar números e conhecer os casos de agressão, além de oferecer tratamento a vitimas e agressores. “O agressor tem que ser tratado porque, na maioria das vezes, é doente”, ressaltou.
Estiveram presentes na abertura do evento, que continua nesta quinta-feira (14), a deputada Dirce Herdeischeidt (PMDB); a secretária de Estado de Justiça e Cidadania, Ada de Luca; a vereadora Tânia Michels, presidente da Uvesc; a presidente da Coordenadoria Estadual da Mulher, Célia Fernandes; a coordenadora de Políticas Públicas para Mulheres da Prefeitura de Florianópolis, Dalva Maria, e o coordenador da Escola do Legislativo, Antoninho Tibúrcio Gonçalves.