“Enquanto houver uma mãe no mundo amamentando, haverá sempre esperança, paz e amor.”
A frase da pediatra Keiko Miyazaki Teruya resumiu o espírito presente no primeiro dos quatro dias do 5º Congresso Catarinense de Aleitamento Materno, aberto na tarde desta sexta-feira (14). O evento é uma promoção da Assembleia Legislativa, por meio da Escola do Legislativo Deputado Lício Mauro da Silveira.
Por duas horas, os participantes puderam assistir a três palestras de profissionais renomados especialistas em amamentação – além da pediatra Keiko Teruya, falaram também o epidemiologista Cesar Gomes Victora e a enfermeira Sonia Silva, consultora em aleitamento materno.
O deputado Fernando Krelling (MDB) – que representou o presidente da Alesc, deputado Julio Garcia (PSD) – abriu o congresso ressaltando a importância do aleitamento materno e de um debate como esse. “Fico muito feliz e emocionado de falar sobre a importância desse projeto”, garantiu o parlamentar.
Para coordenar as apresentações, Krelling chamou o pediatra Cecim El Achkar. Conhecido como Tio Cecim, ele é um dos idealizadores do congresso e voz sempre muito importante na defesa da amamentação. “O senhor tem comprometimento com a causa e sempre se ocupou com a causa”, afirmou. “As palavras ensinam, mas os exemplos arrastam”, completou Krelling.
Cecim destacou o apoio que a Assembleia Legislativa sempre deu ao encontro, agradeceu ao presidente Julio Garcia e à equipe da Alesc que organizou rapidamente o congresso e se disse “um soldado no meio de um exército”. “Trabalho com pessoas abnegadas”, disse o pediatra.
Amamentação contra a mortalidade
O epidemiologista Cesar Victora – um dos grandes pesquisadores da relação entre aleitamento materno e desenvolvimento – apresentou números que demonstram a importância da amamentação. “Minha primeira pesquisa, de 1985, mostrou que quem não recebia leite materno tinha 14 vezes mais chance de morrer”, revelou. “Pela primeira vez foi demonstrado que dar água ou chá não resolvia”, completou.
A segunda pesquisa de Victora abordou a curva de crescimento. Segundo o epidemiologista, crianças exclusivamente amamentadas ficavam abaixo da curva, mas por um motivo muito simples. “Aquela curva era obesa porque era baseada nas crianças dos EUA e que recebiam fórmula (leite em pó), que é fator de risco de obesidade infantil”, explicou.
A pesquisa revolucionou o entendimento do crescimento e foi adotada como padrão internacional. “Hoje, meus dois netos são medidos pela curva que eu ajudei a fazer”, contou, orgulhoso.
Por fim, o terceiro estudo relacionou o aleitamento materno ao desenvolvimento da inteligência, à escolaridade e à renda. Os resultados mostraram que as crianças que recebem aleitamento materno alcançam pelo menos um ano a mais de escolaridade e ganham cerca de R$ 400 a mais. “Um ano pode parecer pouco, mas pode ser a diferença entre concluir ou não o segundo grau e conseguir um emprego melhor”, esclareceu.
Vidas salvas
De acordo com o epidemiologista, a estimativa é de que cerca de 820 mil crianças seriam salvas se fossem amamentadas exclusivamente com leite materno até os seis meses e depois continuassem mamando até os dois anos. “Isso representa 13% das mortes globais de crianças até cinco anos”, destacou.
Victora, um crítico do uso de leite em pó na nutrição dos bebês, contou que toda vez que um componente é descoberto no leite materno, a indústria de alimentação infantil corre a incluir essa substância nos leites em pó. Mas fez uma ressalva. “Tem elementos vivos no leite materno que uma fórmula enlatada nunca vai conseguir reproduzir”, garantiu.
Além das vantagens para a criança, o aleitamento também traz benefícios para as mães, como a prevenção dos cânceres de mama e de ovário, diabetes e obesidade. “Cada ano de amamentação representa uma diminuição de 6% de risco de câncer de mama”, revelou.
Aleitamento e Covid-19
Cesar Victora procurou tranquilizar sobre o risco de contaminação da Covid-19 pelo leite materno. “Só foram encontrados até agora fragmentos do vírus no leite materno, não o vírus vivo, e não há evidências comprovadas de transmissão”, disse o epidemiologista.
Segundo ele, a orientação preliminar da Organização Mundial da Saúde é de não separar a mãe do filho, exceto em casos de doença severa na mãe. Cesar Victora alertou que o risco de mortalidade infantil causada pela interrupção do aleitamento é muito maior do que pela transmissão mãe-filho da Covid-19.
“Se 20% das mulheres que estão amamentando pegarem Covid, a estimativa é de 3.750 mortes de crianças. Se estas mães interromperem o aleitamento, podem ocorrer entre 134 mil e 273 mil mortes de crianças, conforme a idade e o período de desmame”, revelou. “Mas estas estimativas são muito preliminares”, destacou.
Fale com a especialista
A enfermeira Sonia Silva relatou casos de dificuldades enfrentadas por mães e pais que ela ajudou. Segundo a consultora, as questões emocionais repercutem muito e podem prejudicar a amamentação. Ela ressaltou a importância de os pais se prepararem para a chegada do bebê.
“Conheço pais que procuraram fazer o curso para aprender a lidar com o bebê, a trocar fraldas e dar banho e saíram conscientes da importância de seu trabalho para a mãe o bebê”, relatou.
Sonia também ressaltou que as decisões nesta fase terão repercussões a curto, médio e longo prazo e que a família precisa ajudar. Para ela, “um profissional da saúde pode fazer toda a diferença”.
Por fim, a enfermeira destacou o papel da mulher. “A amamentação não é um ato simples, mas ela tem que se doar”, avaliou. “A mulher tem essa força dentro dela. Se nós a ajudarmos, só tem que dar certo”, concluiu.
A mulher nos dias de hoje
Na última palestra do dia, a pediatra Keiko Miyazaki Teruya abordou o tema “O universo da mulher nos dias de hoje”. Keiko falou de avanços tecnológicos – como os drones e as cirurgias robóticas – e de como as crianças têm facilidade com essas ferramentas.
A pediatra listou diversas transformações sociais – como os novos conceitos de família e as mudanças no cotidiano feminino – e as dificuldades enfrentadas para manter o aleitamento materno. “A mãe que amamenta enfrenta muitas barreiras estruturais para praticar a amamentação”, avaliou.
De acordo com ela, um dos fatores é o preconceito. “A mãe enfrenta preconceito: não amamentar em público. Ora, a criança não tem hora pra ter fome”, disse. Por vezes, o preconceito é da própria mãe. “Tem mulher que fica preocupada com a estética.”
Em tempos de pandemia, ela também procurou tranquilizar as mães. “A OMS recomenda que amamentem tranquilamente. Não existe pesquisa robusta que diga que uma mãe passe a doença através do seu leite”, afirmou a pediatra. “Tem que ter cuidados, usar máscara, trocar a máscara a cada amamentação, lavar as mãos, lavar o peito”, completou.
Segundo Keiko Teruya, o leite materno tem mais de 250 fatores bioativos. “A mãe está produzindo anticorpos”.
Mais três dias
O 5º Congresso Catarinense de Aleitamento continua nas próximas três sextas-feiras, sempre das 14 às 16 horas. A TVAL transmite ao vivo o evento.