O trabalho de desconstrução do machismo nas novas gerações foi apontado pela desembargadora do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) Salete Sommariva como um dos principais desafios para a consolidação dos avanços proporcionados pela Lei Maria da Penha no combate à violência contra a mulher. O assunto foi tratado em mesa-redonda promovida pela Escola do Legislativo Deputado Lício Mauro da Silveira, em parceria com a Bancada Feminina da Assembleia Legislativa, no fim da tarde desta terça-feira (24).
A magistrada, que é coordenadora estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Cevid) do Tribunal de Justiça, foi convidada para participar da mesa-redonda, que contou também com a presença das deputadas da Bancada Feminina e da coordenadora da Escola do Legislativo, Adeliana Dal Pont. O tema central abordado pela desembargadora foram os 15 anos da lei, que representou um marco no combate à violência contra a mulher.
Salete apresentou um histórico dos avanços da legislação de proteção às mulheres. “Temos que comemorar muito, apesar de termos muito ainda a avançar”, afirmou. “Não fosse essa caminhada muitas coisas boas não teriam acontecido. A Lei Maria da Penha é considerada a terceira melhor do mundo nessa questão. Até 2006, ano de sua promulgação, tínhamos poucos avanços no tocante à mulher.”
A magistrada lembrou que a Maria da Penha é uma legislação voltada mais à prevenção do que a repressão. Para ela, apenas penalizar os homens que comentem crimes contra a mulher não vai pôr fim a esse problema. Ela defende que a solução passa pela educação das novas e futuras gerações para a desconstrução do machismo estrutural.
“Esse machismo é algo que atravessa séculos, para desconstrui-lo levará muito tempo ainda”, considerou. “O trabalho em defesa da mulher se constitui em preparar as gerações do futuro. Tenho certeza que nossos jovens já estão mais preparados para viver uma cultura diferente com suas esposas e filhas.”
A desembargadora listou os pontos positivos da Maria da Penha, como o uso dessa legislação como instrumento de emancipação da mulher, a mudança na forma como a sociedade encara a violência doméstica e a grande divulgação que a mídia em geral faz da lei e dos casos de violência.
A presidente da Escola do Legislativo, deputada Marlene Fengler (PSD), afirmou que a Lei Maria da Penha representou um avanço importante no combate à violência contra a mulher, mas novos avanços dependem de uma maior representatividade feminina na política.
“A representação política deve ser um espelho da sociedade. Se as mulheres são mais da metade da população e do eleitorado, não se justifica que tenhamos menos de 20% da representatividade nos legislativos”, disse Marlene. “Qualquer avanço passa pela ampliação das mulheres nos espaços de decisão.”
A deputada Luciane Carminatti (PT), que coordena o Observatório Estadual da Violência contra Mulher (OVM-SC), afirmou que a Lei Maria da Penha representa uma grande conquista, apesar dos índices de violência ainda serem elevados.
“Os números ainda são muito doloridos, mas temos que olhar o processo. 15 anos de uma lei não têm o poder de mudar uma cultura de séculos”, afirmou. Precisamos construir essa lei todos os dias, não apenas nos aniversários. Essa construção é uma tarefa diária para que as pessoas se apropriem dela e façam bom uso.”
A responsável pela Procuradoria da Mulher na Alesc, deputada Ada de Luca (MDB), afirmou que a procuradoria, que a exemplo do observatório também foi implantada neste ano, representa “uma porta para libertar a mulher da opressão”. A parlamentar comentou que uma das ações será estimular e apoiar a criação de procuradorias voltadas à mulher nas câmaras municipais catarinenses. “A luta jamais pode parar. Nossas netas, nossas bisnetas vão continuar nessa luta”, comentou.
A deputada Paulinha (sem partido) comentou sobre o desafio de se enfrentar o machismo estrutural. Para ela, é preciso conversar com mais profundidade sobre o tema com homens e mulheres. “O machismo é algo abstrato, que se vê na forma como criamos os filhos e como somos criados”, disse. “Transcender os muros do gênero é essencial para avançarmos.”
Já a deputada Dirce Heiderscheidt (MDB) tratou da violência de gênero na vida política. Para ela, isso ocorre em várias circunstâncias, desde o assédio sexual em ambientes políticos à falta de apoio dos partidos. Segundo a ONU Mulheres Brasil, 82% das mulheres em espaço público já sofreram violência psicológica; 25% já sofreram violência física no espaço parlamentar.
“Essa violência nos afasta do processo eleitoral. Tira várias mulheres do local onde precisamos estar, justamente para mudar essa realidade. Afinal, é através da política, das leis e com representatividade que vamos vencer a violência política de gênero”, considerou Dirce.
Ao final da mesa-redonda, a coordenadora da Escola do Legislativo anunciou a realização de um ciclo de debates que abordará seis temas, todos relacionados à violência contra as mulheres, a partir do mês de outubro. Segundo Adeliana, os debates serão on-line e as datas serão divulgadas no site da Escola do Legislativo.